sexta-feira, 24 de julho de 2009

Memória do Grupo

O Grupo Flor de Manacá teve início no dia 05 de setembro do ano de 2006, o nosso objetivo era fazer uma releitura dos textos bíblicos por meio de uma hermenêutica de suspeita. De lá pra cá o grupo tem se permitido encontrar o caminho para uma melhor compreensão do texto bíblico, caminho este que difere dos padrões tradicionais de hermenêutica bíblica até agora apresentados de forma a nos silenciar, assim nos impedir de confrontarmos com o que a tradição cristã nos ensinou, aceitando assim a ideia de que a escritura é inquestionável, portanto deverá ser aceita e obedecida. Cada encontro nos faz sentir como se estivéssemos numa expedição arqueológica, cada camada descoberta representa o conhecimento da existência de um povo e é assim que nos sentimos ao estudar os “vestígios” encontrados em cada “escavação bíblica”. Escavar cada texto bíblico é como estar num sítio arqueológico onde a cada avanço descobrimos histórias cheias de mistério e ao mesmo tempo fascinantes. Sinto que a melhor parte que escolhemos foi “investigar” a memória dessas mulheres, transgressoras, trapaceiras, amadas, amantes, enfim mulheres. Para os arqueólogos escavar um sítio arqueológico se assemelha comer um bolo delicioso que contém as sucessivas camadas de nossa História. Essa talvez seja a melhor forma de descrever o nosso trabalho.
Esse novo jeito de ler a bíblia, numa perspectiva de gênero, tem nos proporcionado a oportunidade de resgatar as histórias de mulheres que com muita coragem lutaram contra a exclusão, a discriminação e a dominação. As leituras que fazemos tem nos dado privilégio de conhecer as experiências e dialogar com essas corajosas e resistentes mulheres, cujas histórias estão contidas nos textos, nos identificando com suas experiências de vida dentro do seu cotidiano. Resgatar a memória dessas mulheres tem nos desafiado a percorrer caminhos que nos levará a uma mudança de mente, de corpo, de coração e alma. Com elas aprendemos discutir questões como a prática da justiça, de compromisso e solidariedade, pois elas viviam dentro de um mundo patriarcal, onde eram silenciadas e, portanto, proibidas de expressarem qualquer sentimento de resistência. Com elas temos sido desafiadas e provocadas a resistirmos a qualquer atitude que nos são impostas e que nos fazem sentir violentadas dos nossos sonhos e desejos.
Ao estudarmos os textos levando em consideração a questão de gênero, tem nos proporcionado conhecer um Deus que é Pai e Mãe, que seu agir independe do sexo, da raça e da condição social, destruindo aquilo que nos foi ensinado com intenção de “camuflar” os sistemas opressores existentes nas tradições bíblicas que sempre mostrou a mulher num espaço inferior, num lugar de escravidão. Esse novo momento que estamos vivendo, nos permite quebrar paradigmas, romper preconceitos, lançando um novo olhar onde podemos contemplar um Deus libertador que se aproxima dos oprimidos (pobres, viúvas, crianças, negros e homossexuais).
Desta forma, a cada dia podemos ver e sentir que essas descobertas têm nos levado a caminhos e mudanças de atitudes e comportamentos, sabendo que essa opção poderá ser um processo doloroso, mas cheio de esperança e necessário rumo à libertação, e consequentemente de um mundo melhor onde homens e mulheres serão um só. Como grupo decidimos ir mais além, fazendo memória também de um grupo de mulheres muito especiais, “AS MATRIARCAS”. Nas páginas seguintes elas estarão presentes com suas histórias de vida. Esperamos que estas histórias sejam fonte de esperança e vida, junto a um Deus companheiro e libertador.

Mulheres na Bíblia e na Vida...

O grupo de Bíblia e gênero da IBP carregou no útero este sonho. Juntas sonhamos, sofremos e trabalhamos. Sentimos dores de parto! Mas, agora compartilhamos com vocês a nossa alegria: “Bendito é o fruto do nosso ventre!” Fecundar outros úteros, disseminar, espalhar nossas sementes de ideias, sonhos e esperanças. Compartilhar nossas conversas, desconstruções e reconstruções em torno da leitura da Bíblia. Este é o nosso objetivo.
Flor de Manacá é o nome que juntas escolhemos para batizar esse projeto. Flor preferida de uma pequena/grande mulher, Irmã Moça, como era conhecida a nossa matriarca Olímpia, 83 anos de vida, de quem nos despedimos em dezembro de 2007. Ela, mulher nordestina que de forma aguerrida criou sozinha suas seis filhas e seis filhos. Abandonada pelo seu marido, lutou bravamente por sobrevivência digna para ela e os seus doze filhos. Foi assim que conseguiu resistir e vencer. Mulher de fé protestante, sólida, demonstrou um espírito livre, capaz de acompanhar mudanças e até se antecipar-se a algumas. Trabalhou ao lado de padres e freiras no posto de saúde. Desenvolveu amizades e parcerias com católicos, espíritas, num verdadeiro sentimento ecumênico de relações de vida e serviço em favor dos mais pobres. Mulher sem dúvida nenhuma admirável. Matriarca da gente! Ela se torna símbolo de luta e resistência. É em “memória dela” que fazemos essa merecida homenagem. A flor de manacá tem muito em comum com a irmã Moça, com as mulheres da Bíblia, com as mulheres nordestinas e com todas as mulheres. Resistência, capacidade de sobreviver e reproduzir-se em condições difíceis, mantendo a beleza das cores. Tudo isso traduzido em uma bela floragem de cores branca, rosa e lilás.
A flor de Manacá é da Espécie: Tibouchina mutabilis, T. pulchra. Em outras palavras poderíamos traduzir assim: Mutação e beleza! São características da flor de manacá que originaram o nome científico da espécie. Por suas flores mudarem de cor: mutabilis, e por sua rara beleza: pulchra (bela em latim). Pequeno arbusto, porém forte e resistente, floresce em capoeirões, incomum em matas mais desenvolvidas. Sua madeira é macia e é muito utilizada para vigas e caibros para obras internas e esteios e morões para lugares secos, ou seja, sua madeira simples e forte oferece segurança para estrutura interna das casas simples do nordeste brasileiro. Suas sementes são minúsculas e podem ser levadas pelo vento, estando prontas para colheita entre fevereiro e março. Pioneira e colonizadora de áreas abertas, prestam-se muito bem para a recuperação de áreas degradadas, crescendo rapidamente, protegendo o solo em poucos anos. Regenera-se abundantemente na natureza. E não são assim também essas mulheres? Pioneiras! Colonizadoras! Desbravadoras! Muitas delas tão pequeninas, quase não são percebidas, porém suas sementes estão espalhadas nas histórias da Bíblia, pelo Nordeste e Brasil a fora!
A flor de manacá apresenta uma capacidade de mudança ainda mais profunda do que outras flores. Isto está bem representado em suas flores de três cores, decorrentes do amadurecimento diferencial das partes masculina e feminina, sendo as brancas, recém-abertas, funcionalmente femininas (recebem pólen de fora). As rosadas na fase de amadurecimento, e as roxas ou lilases são as flores velhas, masculinas, liberando pólen. Somos assim também, constantemente em processo de mutações. Cada fase vivida em sua intensidade produz experiências profundas que trarão cor e beleza ao conjunto da vida.
A combinação das partes feminina e masculina traduz profeticamente o sonho de um modelo de relações entre homens e mulheres baseado mais na complementariedade e menos na oposição. Ser mulher é isto... Ser homem é aquilo... Muitas destas definições são construções mais culturais que biológicas. O modelo patriarcal de sexualidade hegemônica seja masculino ou feminino está em crise. É hora de construir novos modelos capazes de superar o dualismo e sexismo da cultura patriarcal. Este é um desafio para nós mulheres e homens do século XXI. Leonardo Boff, diz que toda pessoa humana é portadora destes dois princípios essenciais (masculino e feminino). A re-ligação destes princípios em homens e mulheres levaria a uma nova humanidade. Apesar de reconhecer ser esta uma tarefa difícil, me inspira a figura humana de Jesus de Nazaré que para mim é o exemplo maior de humanidade integral. Essas são as diferentes cores do nosso projeto, da nossa revista que se abre como a flor de manacá para receber o pólen de leitor@s.